ilu, uma oração

ilu, uma oração

Ah, o tambor. Queria poder desfiar em palavras o que ele faz na alma, mas a língua tropeça e o coração dança no lugar. 

Respiro, paro. 

Paro e penso, mas o som me leva. 
Ele vibra, ecoa como se o próprio vento cantasse em silêncio.
Tocando o tambor, sinto que ressoo com a natureza inteira, que sou filha da mãe de toda era.

Ilu, meu tambor, me toca com mãos invisíveis, me canta segredos que nem mesmo o tempo ousa revelar.

Danço. Minha saia gira e meus pés sussurram ao chão uma prece antiga. Piso no vento e, ao mesmo tempo, no fogo do meu sangue.

Ilu me ilumina.

Sinto as raízes que não vejo, mas que sei que me sustentam. Sou ancestral do agora, uma extensão de tudo que já foi e de tudo que será. E na dança, na batida, consagro a mãe folha. Minhas mãos deslizam pelo couro do tambor, meu velho amigo, que me acolhe com um sussurro:
“Pssiu. Vai devagar. O caminho dourado está aí, debaixo dos teus passos.”

E eu assopro, deixo o sopro da minha alma encontrar o ar. Meu velho amigo me olha por dentro, vê a menina que ainda sou. Menina que nasceu simples, com um sorriso feito de sol e uma dança que não para. Sete anjos dançam ao meu redor, sete rosas florescem onde piso, sete flechas apontam para o céu. Meu código com o divino está gravado em cada batida, em cada pausa, em cada reverberação do tambor.

Ilu, meu guia, ilumina meu caminho. Sou guardada pelas bênçãos, pelo amor, pelos cânticos que o universo entoa em segredo.

Que Oxalá me cubra, que meus anjos me acompanhem, que as Marias me guardem. Que elas gargalhem comigo, que rodopiem juntas de mãos dadas. Que suas saias coloridas risquem o chão com poesias que só o tambor entende.

E eu rezo. Canto o ponto que me vem:

“Ilumina o meu caminho, oh mãe divina, na batida do tambor, teu axé me ensina. Sou folha, sou raiz, sou terra, sou céu, na roda da vida, meu espírito é fiel.”

E assim, ao fim da dança, tudo se cala. Mas o silêncio não é vazio. É um campo fértil onde tudo floresce.

Ilu repousa, e eu também. Dormimos.

Mas não é um fim, é um intervalo. A batida do tambor nunca cessa de verdade. Ela mora na alma, na memória do corpo, no som do mundo.

E eu sigo, guardando o tambor no peito, ouvindo-o mesmo quando tudo ao redor é silêncio.

Amém.

Lua Felicia

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